Difícil é lidar com donos da verdade.
Não há dúvida de que todos nós nos apoiamos em algumas certezas e temos opinião formada sobre determinados assuntos; é inevitável e necessário.
Se somos, como creio que somos, seres culturais, vivemos num mundo que construímos a partir de nossas experiências e conhecimentos.
Há aqueles que não chegam a formular claramente para si o que conhecem e sabem, mas há outros que, pelo contrário, têm opiniões formadas sobre tudo ou quase tudo.
Até aí nada de mais; o problema é quando o cara se convence de que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, portanto, incontestáveis.
Se ele se defronta com outro imbuído da mesma certeza, arma-se um barraco.
De qualquer maneira, se se trata de um indivíduo qualquer que se julga dono da verdade, a coisa não vai além de algumas discussões acaloradas, que podem até chegar a ofensas pessoais.
O problema se agrava quando o dono da verdade tem lábia, carisma e se considera salvador da pátria. Dependendo das circunstâncias, ele pode empolgar milhões de pessoas e se tornar, vamos dizer, um “führer”.
As pessoas necessitam de verdades e, se surge alguém dizendo as verdades que elas querem ouvir, adotam-no como líder ou profeta e passam a pensar e agir conforme o que ele diga.
Hitler foi um exemplo quase inacreditável de um líder carismático que levou uma nação inteira ao estado de hipnose e seus asseclas à prática de crimes estarrecedores.
A loucura torna-se lógica quando a verdade torna-se indiscutível.
Foi o que ocorreu também durante a Inquisição: para salvar a alma do desgraçado, os sacerdotes exigiam que ele admitisse estar possuído pelo diabo; se não admitia, era torturado para confessar e, se confessava, era queimado na fogueira, pois só assim sua alma seria salva.
Tudo muito lógico. E os inquisidores, donos da verdade, não duvidavam um só momento de que agiam conforme a vontade de Deus e faziam o bem ao torturar e matar.
É inconcebível o que os homens podem fazer levados por uma convicção e, das convicções humanas, como se sabe, a mais poderosa é a fé em Deus, fale ele pela boca de Cristo, de Buda ou de Muhammad.
Porque vivemos num mundo inventado por nós, vejo Deus como a mais extraordinária de nossas invenções. Sei, porém, que, para os que crêem na sua existência, ele foi quem criou a tudo e a todos, estando fora de discussão tanto a sua existência quanto a sua infinita bondade e sapiência.
A convicção na existência de Deus foi a base sobre a qual se construiu a comunidade humana desde seus primórdios, a inspiração dos sentimentos e valores sem os quais a civilização teria sido inviável.
Em todas as religiões, Deus significa amor, justiça, fraternidade, igualdade e salvação.
Não obstante, pode o amor a Deus, a fé na sua palavra, como já se viu, nos empurrar para a intolerância e para o ódio.
Mas não cansamos de nos espantar com a reação, às vezes sem limites, a que as pessoas são levadas por suas convicções.
E isso me faz achar que um pouco de dúvida não faz mal a ninguém.
Aos messias e seus seguidores, prefiro os homens tolerantes, para quem as verdades são provisórias, fruto mais do consenso que de certezas inquestionáveis.
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